PERSEGUIÇÃO
Tinha saído da escola mais tarde
que o habitual, a mãe sempre recomendara:
- Logo que acabem as aulas, tomas o
autocarro e regressas.
Mas o dia anterior tinha sido
especial, fizera anos e não resistira a mostrar às amigas o novo telemóvel, não
se tinha apercebido do tempo passar, estava já a imaginar as palavras da mãe,
ia elaborando todas as desculpas, afinal mesmo a pé da escola à casa não eram
mais que vinte minutos, e parte do caminho seria feito na companhia de algumas
colegas.
Era inícios de Dezembro o
tempo estava mau, passava das dezoito e trinta e era bem escuro, para ainda
complicar mais as coisas a iluminação pública estava desligada.
- Decerto por avaria: - murmurou.
A distância entre a escola e a rua
principal foi passada entre risos e conversas, quando lá chegaram as amigas
viraram à esquerda e ela em sentido contrário, seriam cerca de quinhentos
metros sozinha, apesar da escuridão queria não ter medo, ainda não tinha
percorrido mais que algumas dezenas de metros quando viu aproximar-se um vulto
de um homem numa rua que confluía para a principal, instintivamente colou-se à
parede batendo sem querer com a mochila nesta, notando que lhe tinha caído
qualquer coisa,
-Um lápis, uma coisa sem importância: Pensou,
Por isso não parou antes acelerou mais o
passo, subitamente aos seus ouvidos chegou o ruído de um arfar
de respiração e passos mais rápidos. Em pânico, não sabia o que fazer nem lhe
saiam sons da garganta. Tentou ensaiar uma corrida mas as pernas não lhe
obedeciam, ela podia escutar os passos ainda mais apressados como que a
responder à sua reacção e já não era arfar mas autênticos rugidos, aos seus
ouvidos chegou aquilo que lhe pareceu uma ordem para parar.
O vulto, atrás ia balbuciando, para
si mesmo:
- Tenho que a apanhar antes de ela
mudar de rua, se isso acontecer não sei como a identificar.
-Vou chamar por ela:-Decidiu:
Mas o caminho já andado e a
aceleração daqueles últimos metros impediam-no de gritar, saiu um som frouxo e
que ele duvidou que ela tivesse ouvido, tentou acelerar mais o passo, tinha
mesmo que a apanhar.
O som que chegou aos ouvidos dela,
parecia um miar de mocho, assustou-a mais, a noite parecia ter ganho cores
ainda mais negras, as suas pernas apesar de jovens recusavam-se a andar, pelo
menos a ela parecia-lhe isso, e no entanto sabia que bastava continuar a manter
a distância durante mais alguns minutos e chegaria a casa, ao conforto da casa,
ao abraço da mãe, pela cabeça passaram-lhe algumas orações da catequese, não
sabia bem se as pensava correctamente, mas o tempo não era de preciosismo. Tinha
dois desejos, chegar a casa e fugir daquele monstro. Um desejo aumentava o
outro.
Lá atrás o vulto fez mais uma
tentativa de chegar perto do seu objectivo, acelerou o mais que pode o passo,
chamou a si todas as energias disponíveis, e iniciou uma nova etapa em direcção
ao alvo, sabia que se ela muda-se de direcção nunca mais lhe ponha os olhos em
cima, tinha pouco mais de uma centena de metros antes do aparecimento de uma
nova rua, no caso à esquerda se ela vira-se aí com a distância que levava
perdê-la-ia de vista para sempre, com aquela escuridão dificilmente a
conseguiria identificar, para a abordar mais tarde. A partir daí pensaria o que
fazer.
Ela não se atrevia a olhar para
trás a escuridão continuava e ninguém na rua, parecia que tudo estava contra,
na rua do lado direito algumas casas mas mostrou-se incapaz de tocar numa
campainha e pedir ajuda, a paralisação mental e física para tomar uma decisão
era total, no lado esquerdo apenas um extenso matagal que naquela escuridão projectava
sombras assustadoras o vento fazia agitar as folhas das árvores e
arbustos fazendo-as semelhantes a horríveis monstros que só via
na televisão, sim nos desenhos animados até era divertido, sentia no peito
o bater rápido do coração, não conseguia perceber mas sabia que tinha medo
muito medo.
Continuando a sua marcha no limite
das suas forças o vulto ia planeando:
-Ela leva trinta, quarenta
metros à minha frente, se eu fizer uma corrida, em menos de um minuto apanhou-a
e resolvo o problema antes que seja tarde demais, é a minha última tentativa,
depois desisto.
Iniciou a corrida de forma
desajeitada, não só pelo cansaço, mas também devido à sua estrutura física, um
esforço final e apesar do seu muito querer ia ter que desistir.
Não foi logo que ela notou da
corrida iniciada pelo perseguidor, porém logo que o fez, apoderou-se totalmente
dela o pânico, trazendo a si toda a coragem que ainda restava ganhou forças e
arrancou numa corrida a uma velocidade de que não se julgava capaz, rapidamente
alcançou o limite da sua rua, aquela que sempre lhe parecia muito perto mas que
agora estava a uma distância enorme, a rua continuava deserta a sua casa era
logo das primeiras bastava tocar que aquela hora a mãe sabia que era ela e
abriria o portão sem perguntar nada.
Ela era jovem e o monstro não,
ganhou uma vantagem confortável colou a mão a campainha e não a tirou de lá
enquanto a mãe não abriu, entrou de rompante batendo com estrondo o portão de
entrada, correu para a porta traseira de casa como habitual, e finalmente
libertando-se num choro nervoso e confusamente tentou contar o que se tinha
passado.
Naquela hora um tio e um primo
tinham passado em casa, deixaram-na acalmar e perceberam que um homem a tinha
perseguido, enquanto vinha para casa e que tinha começado a correr atrás dela,
mas ela conseguiu fugir.
Armaram-se cada qual com o seu pau
e vieram ver se na rua estava alguém, espreitaram do lado de dentro do muro com
cuidado de facto a escuridão não facilitava e eles não queriam acender a
iluminação da casa para não o espantar, num primeiro olhar não viram ninguém,
no entanto a jovem encheu-se de coragem e olhando bem ao longo da rua disse:
- É aquele que esta ali encostado
ao muro ao fundo da rua, do lado direito.
De facto ao fundo da rua
via-se alguém que apoiava as mãos no muro e que parecia respirar com alguma
dificuldade, como se tivesse feito um grande esforço e nesse momento estivesse
a tentar recuperar.
Tio e sobrinho pegaram nos respetivos
paus e deram uma corrida veloz em direção ao homem, que continuava a arfar numa
tentativa de normalizar a respiração.
Quando iniciou a corrida para se
tentar aproximar da jovem o homem não contou com a reação desta, mesmo assim
não desistiu queria ao menos saber onde ela vivia, no entanto longe de
diminuir, a distância foi aumentando tornando cada vez mais difícil cumprir
sequer o mínimo que se propusera, saber onde ela vivia, não desistiu e correu
até ao fim sabia que ela não o iria ouvir pois gritar e correr nas condições
físicas e principalmente com o peso que tinha, não era fácil, bem sabia que
precisava de exercício, mas não era aquela a ocasião para se lamentar, ou para
fazer propósitos para o futuro. O que mais temia aconteceu, na primeira rua à
esquerda ela virou e ele já levava um atraso considerável, só com sorte saberia
qual era a casa onde ela entraria, tentou mais um pouco.Com esperança reflectiu.
-Talvez alguma iluminação durante a
entrada, permita identificar onde ela mora.
Por isso não desistiu, chegou
ao limite da rua olhou e viu tudo deserto nada de iluminação nada de pessoas.
Finalmente desistiu e permitiu-se um descanso apoiou os braços nas grades do
muro e foi respirando apressadamente precisava de tempo para normalizar os
batimentos do coração, precisava de tempo para normalizar a respiração, depois
pensaria o que fazer, subitamente notou um alarido e os seus olhos e sentidos
nem queriam acreditar, sentiu o choque de uma vara a atingir-lhe as costas e a
cabeça, sentiu uma forte pancada seguida de uma dor violenta junto a orelha o
sangue a correr pelo pescoço e gola do casaco, instintivamente virou-se
levantou os braços em protecção, com uma mão bem levantada segurando um objecto.
Quando se voltou, tio e sobrinho
ficaram espantados, olhavam para a pessoa e nem queriam acreditar aquela pessoa
a perseguir uma menina?
- O Senhor não tem vergonha: -
Disseram.
- Vergonha! Vergonha! De quê? –
Respondeu espantando e incrédulo
- Então a perseguir uma rapariga
que podia ser sua neta? - Insistiram
- Perseguir uma rapariga? Eu? –
Gritou desesperado
- Eu queria era entregar-lhe este
telemóvel que ela deixou cair à saída da rua da escola. Como sofro de asma não
conseguia gritar para lhe chamar à atenção.
Abriu a mão mostrando o telemóvel
novo que tinha sido oferecido nos anos à rapariga, e que ele reparara que caíra
quando a rapariga tinha tropeçado de encontro à parede.
Perante o olhar espantado, do tio e do sobrinho.
Herminio
Herminio