O FORMIGUEIRO
Matilde era uma jovem com ideias muito peculiares o seu comportamento desalinhado com a maioria das pessoas da sua idade, chamava à atenção.
Gostava muito de passear no pinhal perto de casa, levava sempre a sua máquina fotográfica, via na natureza pormenores que mais ninguém conseguia ver, raios de sol a penetrar pelas ramagens, pequenas flores silvestres, aves, lagartixas, esquilos, tudo era um festim para os seus olhos e uma oportunidade de gravar em fotos o que a alma via. Tinha apenas alguma pena de não saber identificar as coisas que descobria, mas mesmo assim valia a pena senti-las.
Nessa tarde, isso aconteceu mais uma vez, ao caminhar pelo pinhal, os seus olhos detiveram-se num carreiro de formigas e baixou-se para as observar mais de perto, admirou a sua constância na tarefa e a sua disciplina, seguiu o carreiro para descobrir onde seria a casa das formigas, pelo caminho tirou algumas fotos, que depois seleccionaria, ainda foram alguns metros, até o local de entrada do formigueiro, ao caminhar curvada sentiu algum desconforto, depois de uma última foto endireitou-se subitamente. E inadvertidamente bateu com a cabeça, num ramo já velho que pendia de uma árvore.
Ficou atordoada, sentiu de dentro uma força que comprimia o seu tamanho diminuía em cada instante, as suas mãos eram agora minúsculas e ao olhar para o seu corpo, notava transformações incríveis, gradualmente tinha-se transformado numa formiga. Reparou que ao lado a sua roupa estava impecavelmente arrumada, no entanto pendurada ao pescoço a máquina fotográfica tinha sofrido a mesma redução de tamanho. Não teve tempo de reagir. As outras formigas do carreiro, obrigaram-na a mover-se, esteve indecisa um instante. A máquina a arrastar-se pelo chão impedia-a de caminhar, com uma das mãos puxou-a para as costas perante o espanto das outras formigas. Finalmente decidiu-se, iria para o formigueiro. Como nada transportava, resolveu ajudar aproximou-se de uma formiga que transportava um peso excessivo, e colocando a boca na carga, sentiu um sabor familiar.
- Isto é o bolo da minha mãe – pensou.
Entrou dentro do formigueiro, e viu-se no meio de uma azáfama incrível, centenas ou mesmo milhares de formigas movimentavam-se perfeitamente organizadas, mas o seu aspecto insólito, devido a ter às costas a máquina fotográfica, chamou à atenção de algumas formigas que lhe pareciam uma espécie de polícias, rapidamente foi convidada a acompanha-las para ser levada à presença da Rainha. Temeu pelo que iria acontecer, mas não resistiu e resolveu ensaiar se a máquina funcionava tirando umas fotos, o flash assustou os guardas que se dobraram perante ela. Voltou a coloca-la às costas e prosseguiram até à Rainha. Quando chegaram junto a esta, um dos guardas que parecia ser o chefe, contou as magias a que assistiram, luz a sair de uma antena que se mexia. Esta ficou pensativa a ponderar bem o que fazer perante tamanho desafio. Finalmente disse:
- Façamos-la acasalar com um dos nossos machos, e criaremos uma nova raça da nossa espécie, a raça dos alumiadores.
Matilde ficou assustada, não queria isso, desejava voltar a sua condição de humana, a sua reacção, foi rápida. Dirigiu-se a Rainha:
- Majestade, preciso de tempo para pensar, perdi-me do meu carreiro e os meus companheiros andam por certo à minha procura, entre os da minha espécie só se deixa de procurar quando se escolhe em liberdade o local para viver. Aceitarei o convite depois de falar com eles.
- Concordo - respondeu a Rainha, acrescentando.- Sairás com uma escolta, e até ao por do sol se ninguém aparecer, voltarás.
O regresso para fora do formigueiro foi bem veloz. Metade da escolta saiu primeiro depois ela a seguir os restante elementos, para não impedir o movimento contínuo das obreiras, o chefe da escolta puxou-a com alguma violência, contra a vegetação que ladeava a entrada, ao fazer isso ela chocou com a cabeça num arbusto, tombou e sentiu-se desmaiar.
Lentamente começou a sentir a frescura do tapete de folhas e ervas que cobria o chão, olhou para si com o corpo cheio de formigas, levantou-se e sacudiu-se, estava inteira igual a ela mesma, apenas uma coisa bem estranha, a máquina fotográfica continuava pendente nas costas.
Pensou se não teria enlouquecido: - Teria sido um sonho? – Interrogou-se
Olhou para o relógio, o tempo tinha passado, combinara encontrar-se com o João estava quase na hora, com a mão tentou arranjar o cabelo e saiu ligeira para casa.
Pontual como sempre o João já se encontrava à sua espera. Olhou para ela meio espantado:
- Matilde que te aconteceu? Que é isso na cabeça?
- Nada de especial, bati com a cabeça no ramo de uma árvore. Tenho aqui umas fotos, que tirei esta tarde, para te mostrar.
E começou a passar as fotos tiradas no formigueiro.
João olhou sem perceber, aos seus olhos passavam quadros totalmente negros sem qualquer vislumbre de imagem. Perplexo murmurou:
- Decerto a máquina avariou, não vejo nada.
Matilde ia vendo e recordando, os túneis, os silos, as longas filas de formigas, os guardas, a Rainha, aos seus olhos passaram todos os pormenores da sua aventura.
As palavras do João fizeram-na reflectir, levando-a a descobrir:
- Quem não viveu a emoção do diferente, nunca será capaz de olhar para além da aparência.
Uma história muito bonita. Parabéns!
ResponderEliminarAs palavras de incentivo, são um estimulo para continuar, obrigado. Tentarei, tentaremos corresponder. Bjs.
EliminarPor agora fiz-me seguidor. Mais tarde passo para ler...
ResponderEliminarUm abraço
MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA
Irei visitar a tua página, e por certo que encontraremos motivos para a seguir. Abraço
EliminarOlá, Hermínio
ResponderEliminarAgora, sim, li este conto que achei excelente!
Apenas estranhei a pontuação :) mas... José Saramago não a usava e ganhou o Prémio Nobel :)))
Gostaria que visitasses o meu espaço. Fico-te aguardando.
Um abraço
MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA
Fico feliz por teres apreciado a história Miguel, a prática levará ao caminho da perfeição, sempre inatingível e sempre procurada.
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