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Quantas vezes nos
cruzamos com pessoas que não passam de sombras, como se estivessem cobertas com
um manto de invisibilidade. Vemos as formas ainda que que as apreciemos
esteticamente, não vamos além disso.
Nunca fixamos o olhar
no olhar, mais do que anónimas, essas pessoas são invisíveis.
No meu pensamento vão
passando, diversos tipos de invisibilidade.
Um homem de meia-idade
de que não me lembro o rosto, mas que segue num caminhar hesitante como se
procurasse onde pisar, cuidadosamente vestido, numa observação breve dir-se-ia
que vivia uma existência igual a tantas outras na rotina dos dias que passam,
coberto com o manto da invisibilidade que lhe cobria a alma, mostrava no jeito
de caminhar um pouco de todo o resto que permanecia escondido.
Um homem ainda jovem,
talvez um pouco acima dos trinta, caminhava como quem dança, os seus passos demonstravam
alegria e confiança, no caminhar parecia querer transmitir ao mundo a razão da
sua felicidade. Quando demorei o meu olhar sobre ele, como se sentisse culpa
pela sua felicidade, ficou coberto pelo manto da invisibilidade e desapareceu
na multidão.
Desisti de tentar
descobrir o que transportavam na alma, as pessoas com quem me cruzava, seria
sempre uma tarefa impossível, além disso não veria eu nos outros o mundo que eu
próprio trazia dentro de mim?
Cobrindo-me também com
o manto da invisibilidade, impedindo que os outros me vissem com claridade para
além da minha forma?
Afastei estes
pensamentos consultei o relógio, tinha um compromisso com horas bem
determinadas, uma analise ao sangue que tinha que ser realizada três horas
depois do almoço, calculei que o tempo chegava, e fui vaguear para um centro
comercial.
Pelo aproximar da
hora, dirigi-me para o laboratório, o espaço entre o centro comercial e o
laboratório não era mais que cem metros. Por isso enquanto me deslocava ia
olhando distraidamente à minha volta.
Sem saber de onde uma
mulher talvez na casa dos quarenta anos, vestida com descrição no rosto sinais
de uma intensa tristeza, mostrando firmeza nos passos que dava, aproximou-se de
mim entre resoluta e alguma timidez, parou a minha frente e com o olhar meio virado
para o chão, com uma voz cheia de doçura mas que saía longínqua.
- Quero vir viver para
a cidade- Interrompeu a frase como quem arruma as ideias. E repetiu
- Quero vir viver para
a cidade.
Fiquei sem saber que
responder, ela baixou mais o rosto à espera de uma resposta.
- Na cidade existem
diversas imobiliárias, algumas também tratam de contratos de arrendamento-
Balbuciei a medo
- Quero vir viver para
a cidade- Voltou a repetir, agora com mais força, e continuou.
- Pode ajudar-me a
procurar casa?
Fiquei sem saber que
responder, olhei para o relógio como um processo de fuga, e sem jeito respondi.
- Lamento mas tenho
que realizar um exame médico.
Atabalhoadamente
tentei indicar o caminho para uma imobiliária, no rosto dela transpareceu por
momentos a mágoa de um desgosto real, levantou a cabeça despediu-se com secura,
e coberta pelo manto da invisibilidade, aparentemente seguiu as minhas
indicações.
Entrei na porta de
acesso ao laboratório, parei uns segundos no hall de entrada, voltei-me e saí a
correr. Todas as pessoas me pareciam sombras dela, sabia que se seguisse na direção
por mim indicada não poderia estar longe, subi pelo lado esquerdo da Avenida,
desci pelo lado direito, todas as pessoas com quem me cruzei eram apenas
sombras.
Voltei ao laboratório,
realizei os exames num silêncio atroz, que levou a enfermeira a perguntar.
- Está tudo bem
consigo? Passa-se alguma coisa? Está a sentir-se mal?
- Não, está tudo bem.-
Respondi ausente.
A enfermeira terminou
a recolha do sangue, retirei-me e voltei à rua com a ilusão de que tudo se
voltaria a repetir e desta vez agiria diferente.
Com passos incertos e
inseguros fui percorrendo as ruas que confluíam para o ponto em que se tinha
dado o encontro.
Nem vestígios e dei
por mim a pensar, que senão ouvisse a voz dela, mesmo que a visse não a
reconheceria.
Que restou? Apenas uma
sombra coberta por um manto de invisibilidade, rompido apenas por uma voz, que
ainda hoje seria capaz de reconhecer.
Herminio