INVISÍVEIS
Imobilizado na cama de
um hospital, depois de uma cirurgia motivada por um problema cardíaco, a
colocação de diversos instrumentos de controlo e apoio a algumas funções
fisiológicas, limitava e muito qualquer movimento. Esta imobilidade no entanto era
quebrada com regularidade por efeitos de mudança de posicionamento.
O tempo passava lento
e monótono, a ronda habitual do pessoal hospitalar, médicos, enfermeiras e pessoal
auxiliar, representava uma quebra na minha solidão, que não no meu silêncio, a
máscara que ia normalizando a minha respiração limitava a possibilidade de
articular qualquer palavra.
O bloco onde me
encontrava, Cuidados Intermédios, como todos os espaços pós operatórios, era
austero silencioso e austero. Um pouco por efeito da anestesia e muito pela
circunstância de a iluminação ser totalmente artificial, com longos períodos de
penumbra, causava uma desorientação temporal e mesmo espacial, o sentido do
tempo e do espaço perdiam-se.
Não sei que horas eram
se noite se dia, sentia-me cansado na posição em que me encontrava, esperava
com impaciência que a ronda chegasse. Apesar de dispor de um sistema de
chamada, tinha a noção que o tempo atribuído a cada posição era o correto.
A iluminação estava
muito ténue, os passos cuidadosos no corredor soavam-me distantes, no meu
quarto e apenas pelo respirar deduzi a presença de alguém na mesma situação que
a minha. Nada sabia sobre ele, para mim, tal como certamente eu para ele,
estava em presença de um invisível. Éramos invisíveis um para o outro.
De momento estava
deitado sobre o lado direito de costas para a entrada, as portas de entrada
eram de vidro, por isso qualquer variação de iluminação no corredor se refletia
dentro do quarto, normalmente procedia a entrada de pessoal hospitalar, que
vinham realizar as tarefas necessárias ao bem-estar dos doentes.
O cansaço venceu-me, o
botão da campainha de chamada estava bem próximo da minha mão, com algum
esforço alcancei-o, subitamente no corredor os passos soaram-me mais intensos,
a minha sombra agigantou-se na parede, alguém tinha entrado no quarto, larguei
da mão o botão da campainha que se escapou e ficou bem distante.
Um dos conjuntos de
iluminação do tecto acendeu-se a iluminação ficou mais intensa, a minha sombra
perdeu o ar ameaçador por efeito da sombra projectada pelo vulto, com leveza os
passos soaram já dentro do quarto, senti que alguém invisível se dirigia para o
lado oposto ao meu, sustive a respiração e pensei: há-de chegar a minha vez.
Ouvi o sussurro de
algumas palavras, sem as conseguir entender, e fiquei à espera.
Pelo ruído percebi que
tinham acabado os cuidados do outro doente, e aguardei.
Os passos não
enganavam vinham na minha direção, chegaram bem perto de mim, de pé o vulto
projetava um ligeira sombra na parede, rodou ligeiramente para observar um dos
equipamentos, um toque de som moderado de um telemóvel, interrompeu os gestos
que ficaram a meio, tudo parou, atendeu com cuidado o telemóvel e afastou-se um
pouco, ouvi uma voz gritada, não percebi o que dizia mas era uma voz irada.
Com doçura o vulto respondeu:
Mas mor eu ontem disse-te que…
A chamada caiu
abruptamente, ouvi um som de irritante de chamada interrompida, em seguida
tentativas de marcação, entrecortadas por soluços de choro sufocado, que tinham
como resposta, uma duas três quatro um sem número de vezes, uma gravação que ia
repetindo como martelo aos meus ouvidos:
- O número que marcou
não tem Voice mail activo
O choro aumentou, na
parede a sombra do vulto estremecia.
Girou o corpo, em
choro sufocado, lentamente se afastou de mim, enquanto se afastava a sua sombra
diminuía na parede dando de novo lugar à minha. A luz apagou-se a penumbra
voltou, os barulho dos passos foi-se tornando cada vez mais longínquo e
desapareceram.
Alguém invisível
atormentou a vida de outro invisível, e invisível fiquei cansado da minha
posição.
Herminio
Excelente!
ResponderEliminarBoa tarde, as suas palavras sensibilizam-me muito. Obrigado pela vista. Abraço
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