segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A Queda


Estava hesitante sem saber bem o que fazer, sabia que estava só em casa, por costume a mãe sempre presente e sempre preocupada com ele naquele dia tinha saído, quanto à relação com pai era uma coisa meio estranha, sempre ausente e incapaz de uma conversa, pelo menos com sentido, que fosse além do futebol, e de alguns palavrões sobre a política e os políticos.   No momento estava preocupado pelo que sentia, como escape e contra o costume resolveu arrumar a roupa que tinha deixado espalhada quando tomou banho, saiu do escritório entrou na casa de banho colocou a roupa suja no cesto, passou um pouco de água na banheira o rodo pelo chão e resolveu descer ao rés-do-chão para tomar alguma coisa.  Chegou ao topo das escadas, poisou um pé no degrau, subitamente sentiu o degrau a escapar deslizando debaixo dos pés, e o seu corpo foi sugado para um abismo precipitou-se no espaço a uma velocidade cada vez maior, em pânico quis gritar mas o som não lhe saía da garganta, tentou travar a descida sem conseguir, rapidamente ficou envolto numa escuridão absoluta, não compreendia nada do que lhe estava a acontecer, parecia-lhe que se deslocava num espaço bem limitado como se estivesse a cair num anel em espiral, rodopiava e continuava a cair, cada tentativa de se segurar resultava infrutífera, gradualmente entrou num torpor, vendo passar diante de seus olhos toda a sua vida, sentia-se participante e observador, vivia o momento e olhava-o como coisa além dele.  Estava no fim do secundário, ano importante, dito por toda a gente, lá estava ele início do ano a rever amigos e amigas, uns com mais alegria, outros nem por isso.   Como um filme a vida continuava a passar, e ele a sentir-se cada vez mais angustiado. Início do décimo ano, Escola nova, colegas novos, novos medos e adaptações, em galope as imagens sucediam-se, os anos por ordem decrescente; nono, sexto, quarto, primeiro, infantário, tudo misturado com cenas da sua vida, Natal, aniversários, Pascoa, catequese, amizades, zangas, namoros. Sentindo-se sempre no duplo papel de acttor e observador. Com angústia observava que o seu corpo ia sofrendo modificações, em cada curva do anel, passava por ele uma fase da sua vida e a sua estrutura física, ia correspondendo a essa fase cada vez mais intensamente.   A angústia apoderava-se de todo o seu ser, não compreendia sentia-se incapaz de agir sobre o que lhe estava a acontecer.   Subitamente a espiral chegou ao fim e mergulhou num líquido espesso que o fez sentir confortável, dobrou os joelhos reclinou o corpo e levou as mãos ao rosto, só sentia o bater do seu coração, o conforto que sentia como observador era uma réplica do que lhe passava diante dos olhos, copiou os gestos de dobrar os joelhos e reclinar o corpo, levou as mãos ao rosto, gradualmente deixou de ouvir o bater do coração, desapareceu a ideia da existência, ficou o vazio.. Já não era.  

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